Tratamento: Doses diárias de auto terapia e poesia.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

CINEMA




Cena I - Matando aula, cabulando o tempo:

Era uma tarde, não se sabe ao certo se era uma tarde quente de verão, ou fria de inverno, ou ainda se tinha folhas de outono espalhadas nas ruas, se haviam muitas pessoas apressadas, ou se a rua estava vazia. Não chovia, pois nada estava molhado, além da sarjeta.

Era uma tarde, apenas uma tarde.

Ele andava pelo centro da cidade alheio a tudo, percebia o chão que estava sujo e a sarjeta, talvez seja a percepção primeira de quem anda de cabeça baixa.

Simplesmente ia, sem saber ao certo para onde, mas ia. E indo recordava de si mesmo, e das inúmeras vezes que cabulara aula nos idos de muito tempo atrás. Bons anos aqueles do colégio católico, de fato se orgulhava do grande talento que um dia teve em se permitir ser dono do próprio destino enquanto os colegas viam uma enfadonha aula de química. Naquelas tardes assistia todos os filmes possíveis e sonhava em ser um daqueles personagens: Quem sabe um herói épico comandando exércitos, ou um professor de artes em Paris que teria um tórrido romance com uma bela mulher longilínea e de cabelos curtos, ou ainda descobrir que na verdade é um extraterrestre e em um planeta longínquo estaria seu reino.

Em meio a essas lembranças, viu-se em frente a um velho cinema e sentiu um impulso de resgatar aquelas tardes, um impulso fora do tempo, e pelo menos era um lugar para onde ir. Porque não?

Era um cinema decadente, a fachada demonstrava “rugas” da ação dos anos, mas não se sentia no direito de julgar o cinema. Imaginou que, com certeza, já houve melhores dias para o cinema.

Dirigiu-se para a bilheteria e comprou um ingresso para uma sessão que estava prestes a começar, o bilheteiro, muito cortez, entregou o ingresso e disse:

- Bom filme. O Senhor irá gostar, é um excelente estória.

Dando as costas de pronto, balbuciou um agradecimento, vira apenas a silhueta do bilheteiro; restou uma sensação que conhecia aquele rapaz. Porém, não se ateve à sensação.

Pensava com uma seca sinceridade, é que pouco importava o filme, e talvez nem fosse bom e o rapaz apenas seguiu o protocolo de elogiar a escolha do cliente. Torcia apenas que não fosse um desses filmes que alguns pseudo-intelectuais juram por ai ser o melhor filme do mundo, quando não entenderam bulhufas da película ou claramente era um filme sem pé nem cabeça e insistiam em procurar alguma razão na loucura alheia. O fato é que há a aparência de quase tudo, também assim o é com alguns filmes, apenas aparentam ser um filme. Torcia que fosse um filme como os da adolescência em que sonhava em ser algo ao final - Um rei, um amante, ou um Extraterrestre, quem sabe.

                           Adentrou a sala, riu-se por dentro, sentiu um conhecido frio na barriga, se fosse décadas atrás estaria matando aula na expectativa de ser descoberto pelos pais ou pelo despótico diretor do colégio que ostentava um bigodinho a la Hitler; entretanto, estava apenas cabulando o próprio tempo e, em verdade, não devia satisfação a ninguém além dele mesmo, pelo menos naquela tarde.


(J. Victor Fernandes)